domingo, 13 de janeiro de 2013


A intervenção do carisma Franciscano no mundo para testemunhar a fé
(Continuação do texto do ministro Geral)

À luz do que acabamos de dizer, parece-me que precisamos de uma intervenção franciscana no mundo para transmitir a Fé neste terceiro milênio, através de, e dentre  outras formas de testemunho,  a menoridade, a fraternidade, a promoção da paz, a pobreza como libertação e opção pelos pobres, o respeito pela criação, o clima de transcendência, centrado num Deus que é amor.
Vou dizer apenas e sem grandes pretensões uma palavra muito breve a sublinhar o significado e conteúdo de cada uma destas áreas no pensamento franciscano das origens e a alternativa flagrante que elas representariam em ordem a uma transmissão da fé no mundo novo em que todos mais ou menos conscientemente andam a sonhar.
A) A menoridade
A menoridade faz parte da identidade de Francisco e também da sua Família. Foi o próprio São Francisco que escolheu para si e para os seus este nome(1) Queria que os seus se chamassem assim: Irmãos Menores(2) Eram de facto assim(3). Propôs mesmo o que seria o retrato de um irmão menor(4). Assim se designava a ele próprio(5). Assim designava ele os seus filhos, a sua Ordem(6). Numa sociedade, com "maiores e minores" Francisco quis que os seus fossem fazer parte dos "minores".
Não foi questão de táctica. Aprendeu-o no evangelho(7).
Não os chamou mínimos. Usou o comparativo. Supõe que qualquer franciscano vê e considera sempre todo o outro acima de si próprio. Nunca se poderá ver acima de ninguém. Vê todos os outros acima de si. Como tais, dá-lhes sempre o primeiro lugar. Escolhe, como seu lugar próprio, estar sempre entre e com os menores.
Uma gente assim mataria toda a inveja imperante. Acabaria com a concorrência e competitividade que esmaga pessoas, espalha conflitos, é fonte de ameaças, semeia injustiças. Dispensa armas e exércitos. Tem por amigos os mais pequenos, os mais frágeis, os mais fracos. Toma sempre como suas as causas deles. Não tem medo de ninguém, mesma num mundo cheio de medos, como é o nosso.
B) A fraternidade
A fraternidade entre todos é outra das notas fundamentais do franciscanismo. S. Francisco fundou uma Ordem de irmãos(8) onde todos são mesmo irmãos (fratresfrades)(9) uma família(10), com irmãos a partilharem tudo o que recebem(11), até com obediência uns aos outros(12), com amor materno de uns pelos outros(13). Todos a verem como irmãos todos os homens(14), sem discussões, sempre na alegria e na simplicidade(15). Sábios e simples(16). Todos assim.
Um mundo de gente assim seria o fim do egoísmo. Poria fim à solidão de tanta gente. Evitaria o stress. Aproximaria as pessoas. As guerras e os crimes iriam desaparecer.
C) Promoção da Paz
Faz parte do franciscanismo a promoção da paz. Promoção da paz, com o exemplo. Era a regra fundamental e Francisco na evangelização e missionação a pratica entre os sarracenos e outros infiéis. Deviam ir para o meio deles e viverem ali em paz entre si e sujeitos a toda humana criatura segundo mandava a Primeira Regra(17). A saudação dos irmãos devia ser, cada dia, um desejo de paz, como impõe a Segunda Regra(18). A norma de base era o perdão, perdão sem medida, como se manda na carta de Francisco a um Ministro(19). Ser franciscano era promover a paz com palavras(20) e obras(21). É esta a missão da Ordem(22). Promover a paz até entre os homens e os animais, como Francisco o fez com o lobo de Gúbio(23). Paz sempre e só a partir da justiça, como bem o acentua na pacificação do lobo de Gúbio(24). Paz desarmada, como a de Francisco com o Sultão num tempo de cruzadas. Paz que canta os que promovem a paz(25) e inspira orações para suscitar promotores de paz: Senhor, fazei de mim instrumento da vossa paz!
Um corpo de paz assim, no mundo e na igreja, afastaria certamente neste terceiro milénio um dos maiores perigos e riscos da Humanidade e que vai fazendo gastar em armas o que se devia gastar em pão e na promoção dos homens e das nações e, na posse de armas nucleares, pode até pôr em risco a própria subsistência da humanidade.
D) Da pobreza como libertação
A pobreza é uma linha de base no franciscanismo. A pobreza é norma de vida(26), fundamento da Ordem, novidade da Ordem(27). Pobreza que é de Nosso Senhor Jesus Cristo(28). Pobreza que é altíssima(29), uma senhora(30), uma esposa(31), uma graça do Senhor(32). Pobreza que tem de ser voluntária(33) e consiste em não ter nada próprio(34), não se apropriar de nada. É libertar tudo em favor dos pobres(35), como Francisco o quis demonstrar na cena das rolas que comprou e soltou para as pôr a cantar para toda a gente(36). Pobreza que é humildade(37), uma virtude real, por ser pobreza de um grande Rei que é Jesus e a todos nos garante o reino dos céus(38). Pobreza que faz ver tudo como dom(39), evita o supérfluo(40), converte os pobres em imagens de Cristo(41), que fez de Maria a Senhora pobre(42).
Num mundo de ganância, de ambições desmedidas, de avareza, onde o que se ganha e se tem nunca chega, onde os bancos vão escondendo o pão que nos sobra e falta aos pobres, onde os ricos são cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais numerosos e mais pobres, num mundo que é ao mesmo tempo de opulência, de ostentação e de miséria e fome, um mundo cada vez mais igual ao do rico avarento e do pobre Lázaro, um tal testemunho autêntico e "escandaloso" de pobreza franciscana, seria decisivo. Seria uma contestação, talvez silenciosa, mas mais eficaz e necessária. Seria uma revolução cada vez mais urgente.
E) Respeito pela criação
O respeito pela criação faz parte essencial do ideário franciscano. As coisas criadas revelam a glória de Deus(43). São reflexo do Senhor(44), a imagem do seu Filho(45). São nossas irmãs(46). Reflectem o amor de Deus para connosco(47). Merecem respeito e sujeição(48). Servem para com elas louvarmos o Senhor(49). A pobreza franciscana é também e sempre respeito pelas criaturas.
Num mundo ameaçado pelo desequilíbrio cósmico, pela exploração irresponsável da criação, pelo uso e abuso de tudo, pela invasão do lixo que nos ameaça, pela poluição de rios e das fontes, dos ares e dos mares, pela praga dos fogos nas florestas, pela agressão sonora, com a invasão desordenada do cimento armado a ameaçar sempre mais as zonas verdes das nossas cidades, o exemplo e a voz franciscana, a partir da fé, poderiam ser uma lufada de ar fresco e de esperança na cidade dos homens que corre risco de dar cabo da sua casa comum, o cosmos em que habitamos. O hino oficial poderia ser o Cântico das Criaturas. Sem uma voz assim, podemos acabar por silenciar a Deus e provocar uma derrocada da casa de todos nós que viria a cair sobre as nossas cabeças como consequência do sacrilégio que é a nossa anti-criação.
F) A recuperação da contemplação e do sentido de Deus no mundo.
Na alma Franciscana Deus é tudo. Está no centro. Ele é a razão de tudo. Deus é a nossa luz(50), a caridade e o amor(51), a misericórdia(52), a segurança(53), o nosso Pai(54), o nosso salvador(55), o nosso protector(56), o único bem(57), a fonte de todo o bem(58), a nossa esperança(59), o omnipotente(60), a fonte de alegria(61), o Pai(62) e amigo(63), o nosso guia(64), o benfeitor do homem(65), o Pai dos pobres(66), uma presença que se respira em todas as coisas(67), uma grande promessa para todos nós(68), o alimento da nossa alma(69), alguém que é admirável em todos os que o amam(70).
Num mundo em que, por um lado, não falta nada e por outro há tanta gente infeliz, desgraçada, desesperada, desiludida que não aguenta a vida, que avança só à força de droga, sexo, dinheiro; num mundo a falar de "fossa", sem sentido para a vida, sem razões para viver e para esperar, sem alguém por quem valha a pena viver e morrer, o franciscanismo do Alverne, do Cristo de S. Damião, dos "carceri" de Rivotorto, da Porciúncula, das noites na casa de Bernardo Quinta Vale, um franciscanismo a semear por esse mundo além zonas de silêncio e de paz, seria uma fonte de esperança no terceiro milénio. Seria o reencontrar daquela que já se chama a dimensão perdida. Dimensão que há que encontrar se queremos que o mundo tenha futuro. Malraux já escreveu que o século XXI será contemplativo ou não será. Mauriac disse também que nós, cristãos, escondemos a Deus e o mundo anda para aí aflito, desorientado, desesperado à sua procura e não sabe onde o metemos. É tempo de o mostramos mesmo. Falta-nos oásis. Deus no meio dos desertos do mundo.
CONCLUSÃO
O mundo e a Igreja estão pois à espera de portas de saída para novos problemas que há que resolver. Pensemos só, e a título de exemplo, nas desigualdades no mundo. Segundo estatísticas da ONU e do Banco Mundial, nos últimos 30 anos, as desigualdades no mundo duplicaram(71). Por outro lado, tem-se tentado minorar tais desigualdades, só a nível económico, primeiro unindo os mais pobres contra os mais ricos. Não foi solução. Tentou-se depois ajudar os mais pobres a subir sem tocar nos mais ricos. Já se viu que também não deu resultado. A solução possível parece que só pode ser uma solidariedade com os mais pobres, à custa dos mais ricos que têm de ser menos ricos em favor dos mais pobres. Não há outra saída(72). Num mundo assim, só um grande ideal de pobreza, traduzido na vida de muita gente que contagiasse o pensar e o viver de todos nós, poderia ser uma esperança. Fala-se hoje de uma Igreja de desejo a mostrar os grandes desejos do mundo em que ela vive e se encontra e a proclamar as promessas do seu Senhor(73), que são as do sermão da Montanha. Tudo isto, aos vários níveis aqui contemplados, seria a síntese do que eu tentei dizer ao tratar do que poderia ser o franciscanismo no Terceiro Milénio. Seria assim a vida de todos os Franciscanos no Terceiro Milénio, a imagem viva de uma igreja de desejos e de promessas.
Penso por aqui iria passar também o problema das vocações à vida franciscana e o futuro do franciscanismo no terceiro milénio e até o futuro do mundo.

(Fonte: Cadernos de Espiritualidade Franciscana, nº 11, pp. 41-47).

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